Assim como foi com o Mestre Luciano Gatto, eu tive a extrema honra de entrevistar para o "Chutinosaco", mais uma das lendas vivas dos artistas Disney: o genial escritor Carlo Chendi. Nascido em Ostellato, em 10 de julho, recentemente completou 82 anos e numa conversa sensacional, fui surpreendido por uma pessoa amável e muito simples, que nos revela os seus momentos especiais com os amigos, em fotos INÉDITAS na web, que ilustram maravilhosamente esta nossa viagem!
1) Carlo Chendi, os seus leitores brasileiros e eu queremos saber como e quando você começou a escrever histórias em quadrinhos, se especializando no gênero cômico?
R: A minha primeira história foi publicada em junho de 1952, eu tinha 17 anos e 11 meses.
Os meus mestres foram: Floyd Gottfredson com Mickey, Benito Jacovitti (O maior autor cômico italiano do século passado) e, determinantemente, Carl Barks.
No cinema: Charlie Chaplin, os Irmãos Marx, Stan Laurel e Oliver Hardy
(O Gordo e o Magro).
De 1952 a 1954 eu fiz uma espécie de “treinamento prático” com vários personagens italianos (Tiramolla, Trottolino, etc.) e depois passei a escrever para a “Topolino”, desde sempre a mais prestigiosa revista em quadrinhos da Itália.
2) Você fêz muitas histórias que abordavam, em tons de humor e sátira, clássicos da literatura e do cinema, como por exemplo: “ Doutor Paperus” (Goethe - Clássicos da Literatura Disney 28), “A Volta ao Mundo em 8 Dias” (Júlio Verne - Tio Patinhas 513), "Donald Contra Bob Finger" (Ian Fleming - Classicos da Literatura Disney 22). Como você trabalhava nessas adaptações?
R: As paródias de clássicos da literatura e dos filmes são uma ideia italiana que, depois de Floyd Gottfredson e Carl Barks, renovou os princípios narrativos das histórias e dos personagens Disney em quadrinhos.
A idéia era parodiar um clássico da literatura mas sem alterar o caráter e a psicologia do Pato Donald, Tio Patinhas, Mickey, Pateta, enfim, de todos os personagens. Por exemplo, na paródia do “Doutor Fausto” o Donald mantém o seu próprio caráter ao interpretar o “Doutor Paperus”.
Em "Donald contra Bob Finger" se faz uma paródia de James Bond, mas Donald permanece sendo êle mesmo, não assumindo a personalidade de Bond.
3) Luciano Gatto é um grande amigo do meu blog e colabora conosco sempre que possível. Juntos, além de outras tantas aventuras, fizeram: “Donald e o Faraó” (Coleção Luciano Gatto 01) que é uma trama que fala de um antigo faraó, um alter ego do Tio Patinhas. Como nasceu a idéia dessa aventura tão insólita?
R: A civilização do Antigo Egito sempre me fascinou, eu sempre "devorei" as histórias de arqueólogos (Veja a descoberta da tumba de Tutancamon por parte de Howard Carter e Lord Carnarvon).
Aí eu escrevi uma história imaginando que um antigo faraó, com o mesmo apêgo que o Tio Patinhas têm pelo dinheiro (E a sua mesma aparência física), pudesse voltar a viver e quisesse mergulhar nas moedas do seu próprio depósito de dinheiro.
Para diferenciar os dois na edição original italiana, o Tio Patinhas fala em prosa, enquanto o faraó se expressa em rima.
E Luciano Gatto a desenhou de maneira bastante expressiva!
4) Você trabalhou com Luciano Bottaro em muitas histórias. Como foi o seu relacionamento com esse grande artista?
R: Eu e Luciano Bottaro éramos amigos desde a adolescência. E ambos com a mesma paixão pelos gibis e com o mesmo desejo de nos tornarmos autores de quadrinhos. Nós crescemos praticamente juntos, eu escrevia as histórias e ele as desenhava, por quase quarenta anos criando personagens (Pepito, Baldo, Whisky & Gogo, Pon Pon e muitos outros) e, ao mesmo tempo, também trabalhando com os disneyanos.
Bottaro era um grande e genial desenhista (Algumas vêzes êle também escrevia as histórias que desenhava), um artista autêntico. A nossa produção de quadrinhos foi de cerca de dois têrços com personagens Disney e de um têrço com personagens nossos.
5) Bottaro, Rebuffi e Chendi, dois desenhistas e um roteirista: juntos vocês fundaram o Estúdio Bierreci Comics . E, em 1972, criaram um evento internacional de quadrinhos (Mostra Internacional dos Cartunistas) que já chegou à sua 44ª edição. Como foi essa fase?
R: O Estúdio produzia histórias em quadrinhos para a Itália, a França, a Alemanha e a Suécia.
E também era uma espécie de escola frequentada por alguns jovens que ali aprenderam o ofício de fazer quadrinhos.
Da escola Bierreci saíram autores como: Giancarlo Berardi (Ken Parker e Júlia) e Ivo Milazzo (Ken Parker).
Quanto à Mostra Internacional dos Cartunistas, o nosso objetivo principal era valorizar, em nível cultural, artístico e criativo, o nosso ofício de autores.
Não fomos os únicos, mas é claro que contribuímos, em nível internacional, a dar uma nova dignidade ao produto “gibi”.
6) Quando Carl Barks estêve na Itália, durante a viagem europeia de 1994, você lhe dedicou uma mostra e um livro, com os depoimentos dos maiores autores italianos de quadrinhos sobre a arte dos quadrinhos.
Como era o seu relacionamento com êle? Chegaram a pensar em fazer uma história juntos?
R: O meu relacionamento com Carl Barks era de amizade, uma amizade cultivada por cêrca de vinte anos como amigos correspondentes e depois consolidada pessoalmente quando nos encontramos em Milão e na cidade de Rapallo. Eu o havia convidado para almoçar no Restaurante dos Quadrinhos, o “U Giancu”. Um dia inesquecível!
Mas...eu jamais ousaria lhe sugerir fazermos uma história juntos, êle era o meu mestre.
7) A sua primeira história com os personagens Disney foi: “Le Miniere di Re...Paperone” de 1954, e em 2013 a mais recente: “Pippo Scudiero della Tavola Redonta” (Inéditas no Brasil). O que mudou no mundo Disney ? Como você se relaciona com essa nova geração de autores?
R: Os jovens autores estão em sintonia com os seus contemporâneos, com quem cresceram partilhando a mesma cultura (Pouca literatura, pouco cinema, muita televisão, muitos videogames, propaganda maciça, mesmos problemas políticos e sociais, etc) e são de uma geração muito diferente da minha.
Êles consideram as nossas histórias como grandes clássicos, sentem admiração por elas, mas acho justo que as histórias dêles representem a sociedade em que vivemos.
Como acontece com os jovens autores de cinema, televisão, literatura, etc.
8) Carlo Chendi, como é a sua relação com o Brasil?
R: O Brasil é um país que eu amo de modo particular pelo lugar que ocupa na formação do meu imaginário.
E no Brasil moram pessoas que eu conheço e com quem tenho relações de amizade:
- Primaggio Mantovi, que eu conheci em Lucca.
- Júlio Schneider, advogado e um insuperável tradutor das histórias de Júlia" (Giancarlo Berardi) que eu conhecí em Rapallo.
- Marcelo Alencar, jornalista e tradutor das minhas histórias Disney no seu país (Marcelo comprou do espólio de Carl Barks, no Ebay, tôdas as cartas originais que eu havia escrito a Carl e o livro: “Un Mondo di Fumetti” que eu havia dado de presente a êle em 1971).
- Álvaro De Moya, que fazia parte do júri que me concedeu o Prêmio Yellow Kid em Roma, em 1996.
- Maurício de Sousa (Que conheci em Rapallo).
- E agora, tenho um novo amigo: Luiz Dias.
9) Agradeço pelas suas respostas e muito obrigado pelas milhares de histórias que você escreveu, que fizeram e ainda fazem sonhar os leitores brasileiros e aquêles tantos outros - dos 26 Países no mundo tôdo onde são publicadas as suas histórias, há mais de 40 anos (Agora, até na China!). Podia nos deixar uma mensagem?
R: Quando por dez anos, de 1989 a 1998, eu trabalhei na redação da The Walt Disney Company Itália, eu tive a oportunidade de conhecer o catálogo da Disney americana para os editores licenciados.
Entre outras coisas, se dizia alí que as histórias em quadrinhos do Pato Donald, Mickey e dos demais personagens, tinham no mundo cêrca de oitocentos milhões de leitores.
Como a quase totalidade da produção em quadrinhos dos personagens Disney era italiana… não é difícil concluir quantos leitores têm (Mais ou menos!) as minhas histórias.
CARLO CHENDI